A FASE DO JOHN BYRNE NO SUPERMAN: PARTE 02
Continuando do ponto onde paramos sobre o Byrne nas HQs do Superman.
A partir de setembro de 1986 uma nova HQ, intitulada de “Superman” e contendo roteiros e desenhos do John Byrne foi lançado, ele também assumiu os roteiros e os desenhos da revista “Action Comics” a partir do número #584, já a HQ original do Superman, manteve sua numeração, porém teve o título alterado para “Adventures of Superman”, e passou a ser roteirizada pelo Marv Wolfman.
Cada uma das HQ tinha uma temática própria, e mantinham histórias ligeiramente independentes, a série escrita e desenhada pelo Byrne a mais importante das três, nela eram publicadas as tramas que iriam mostrar para os leitores as novas versões modernizadas dos personagens pertencentes à antiga mitologia do personagem.
Embora consideradas “primárias” e “cheias de furos nos roteiros” pelo historiador Julian Darius, as primeiras tramas de Byrne com o personagem almejavam algo até então raro no mercado das histórias em quadrinhos, com a inclusão de elementos “maduros” para o gênero, “explorando a intercessão entre super-heróis e política”.
Inicialmente a HQ “Superman” não iria sofreria as alterações que acabaram ocorrendo, a ideia de publicar uma terceira HQ com o Homem de Aço teve seu inicio com o avanço do planejamento das histórias, onde a intenção original de Byrne e Wolfman era que cada um deles assumisse uma das duas revistas pré-existentes do personagem, a “Superman” e a “Action Comics”.
Na série “Action Comics” foi, eventualmente, adotado um Projeto Editorial que no início do planejamento, seria usado em uma 3ª série, que chegou a ter o nome do Alan Moore cogitado para o cargo de roteirista dessa nova publicação, para a arte dessa nova HQ seria contratado o desenhista Jerry Ordway, porém o Moore recusou participar do projeto.
Com isso as características de cada uma das séries começou a ser estabelecida, ficando Byrne responsável pela nova revista “Superman” e pela “Action Comics”, já o Marv ficou com a agora rebatizada “Adventures of Superman”.
Enquanto a “Action Comics” passou a ser exclusivamente dedicada a histórias do gênero Team-Up, geralmente apresentando um encontro entre o Superman e alguns dos elementos “mágicos” do Universo DC, e isso não é por acaso, já que a magia é uma das maiores vulnerabilidades do Kal-El, já a relançada “Adventures of Superman” apresentava histórias em que o Marv trouxe de volta um pouco da preocupação social que o Superman tinha em suas primeiras histórias, abordando questões urbanas como tráfico de drogas, guerra de gangues e ataques terroristas provocados por ditadores.
Durante o tempo que o Marv Wolfman trabalhou na “Adventures of Superman” ele teve uma série de conflitos com John Byrne, tas conflitos acabaram por fazer com que ele que deixa-se o cargo de roteirista da série, ainda no ano de 1987. Em 2006 o Wolfman deu uma entrevista para o livro “The Krypton Companion”, onde declarou que suas histórias eram, em muitos aspectos, uma continuidade do trabalho que ele vinha fazendo com o personagem desde antes da reformulação, quando ele havia assumido os roteiros de “Action Comics” no início da década de 1980, e, por mais que o universo do Superman tenha mudado radicalmente depois da “Crise nas Infinitas Terras”, Marv manteve a mesma abordagem com o personagem.
“Eu sei que continuarei sendo conhecido como o escritor que reformulou Luthor e Brainiac, mas eu também gostaria de ser lembrado como alguém que tentou incluir nas histórias um senso de ação, de caráter, que mostrasse que ele era mais uma pessoa com problemas e preocupações que nada tinha tinham a ver com seus superpoderes. Eu gosto de pensar que as histórias que fiz com Gil Kane, o Curt Swan e mais tarde com o Jerry Ordway, mostraram um personagem que ainda era moderno e divertido e eram baseadas em algo mais do que simplesmente o clichê do Superman enfrentando robôs gigantes ou cientistas loucos”, declarou Marv Wolfman.
Embora Wolfman tivesse, como ponto de partida, as primeiras histórias de Superman, onde buscava retratar o Herói da mesma forma que Siegel e Shuster o haviam concebido, Wolfman juntamente com o Byrne, não compartilhavam da mesma visão na hora de aplicar esse conceito. Enquanto Marv queria fazer com que Kal-El voltasse a enfrentar os inimigos que ele enfrentava nessas primeiras histórias, como membros de gangues, políticos corruptos, assaltantes e outros “criminosos terrenos e crimes do dia-a-dia”, Byrne queria que ele escrevesse em “Adventures of Superman” histórias onde o Homem de Aço tivesse mais aventuras no espaço sideral, e como ia contra seus planos, Wolfman recusou na hora.
Jerry Ordway, desenhista responsável pela arte de Adventures of Superman, expôs no livro “Modern Masters: Jerry Ordway”, publicado em 2007 e de autoria jornalista Eric Nolen-Weathington, sua visão sobre os conflitos ocorridos entre Wolfman e Byrne:
“Logo nos primeiros meses vi que havia problemas. Era tudo uma situação infeliz, porque claramente havia… Enfim, eu não era parte do atrito entre Marv Wolfman e John Byrne, mas claramente os dois tinham alguns problemas. Eu não sei se Marv não gostava da ideia de ser, de certa forma, um ‘subordinado’, porque num determinado ponto era Byrne quem efetivamente controlava a mitologia, ou se era outra coisa, mas os roteiros estavam ficando prontos com muito atraso”.
Com esse embate entre eles começou a ocorrer atrasos nos roteiros, que acabavam causando atrasos nos desenhos também e, consequentemente, na arte-final, os artes-finalistas Mike Machlan e Al Vey foram alguns dos profissionais que tiveram que auxiliar para que a HQ não atrasa-se.
Durante a produção da terceira edição Ordway já estava tendo que, não apenas ajudar na elaboração dos roteiros, mas também teve que fazer a arte-final dos próprios desenhos, tudo na luta para manter o rigoroso cronograma em dia. O aviso da DC era que não haveria espaço para fill-ins ou atrasos.
Voltando a produção das histórias, em sua primeira edição, Wolfman introduziu dois novos personagem, Catherine “Cat” Grant, e o Emil Hamilton. Grant era uma bela jornalista que havia acabado de ser contratada como colunista de fofocas do Planeta Diário, ela e o Clark se sentem atraídos um pelo outro desde o momento em que se conhecem. Wolfman disse que a incluiu nas histórias para tornar o Clark um personagem mais mais real, alguém por quem uma colega de trabalho pudesse se sentir atraída fisicamente. Hamilton, por sua vez, era um Professor, Cientista e ex-funcionário de LexCorp, cujo sobrenome era uma homenagem do Wolfman ao notório escritor Edmond Hamilton, responsável por inúmeras histórias de Superman durante a “Era de Prata”.
De acordo com o Jerry Ordway, Hamilton inicialmente não figuraria nas revistas por muito tempo, pois Wolfman planejara usá-lo apenas até a conclusão daquele primeiro arco de história, onde o cientista termina, nas palavras do Wolfman:
“Completamente ferrado por Lex Luthor e na cadeia”.
No ano seguinte o desenhista resolveria retomar o personagem, utilizando-o como alguém que cumpre sua pena e passa a servir a um bom propósito graças a influência do Superman.
Após a revista “Action Comics” atingir a histórica marca de ininterruptas 600 edições publicadas, John Byrne deixou o cargo de roteirista e desenhista e a DC tentaria, durante aquele ano, retomar o formato de antologia, publicando a revista numa periodicidade semanal contendo diferentes histórias curtas toda semana. A mudança durou apenas um ano, compreendendo as edições #601 à #642.
Enquanto isso, Byrne ficou responsável pelas revistas “Adventures of Superman” e “Superman” e com isso ele começou a aumentar as ligações entre as tramas ali publicadas, se tornou cada vez mais frequente que a conclusão de uma história iniciada numa das revistas ocorre-se na outra. Contando com a ajuda do Ordway nos roteiros da “Adventures of Superman”, e de ser o responsável pela arte, Byrne continuaria a trabalhar com o personagem até a conclusão, em maio, da “Saga da Supergirl”, um arco de história que apresentou novas versões da Supergirl e de um dos arqui-inimigos do Superman na Era de Prata, o General Zod.
O ano de 1988 seria, particularmente, significativo já que se comemorava os 50 anos de criação do Homem de Aço, com isso a revista TIME, uma das mais importantes publicações estadunidense, convidou o John Byrne para ser o responsável pela arte da capa de uma edição comemorativa sobre o Superman, na qual foi publicada uma extensa matéria sobre a história do personagem.
Byrne aproveitaria ainda o ano de 1988 para produzir três significativas minisséries, que desvendariam um pouco mais do passado do Superman, cada uma delas contendo todas em quatro edições. Seriam O Mundo de Krypton (The World of Krypton), O Mundo de Smallville (The World of Smallville) e O Mundo de Metrópolis (The World of Metropolis).
Nessas minis o John atuou apenas como o roteirista, para as artes tivemos as participações de Mike Mignola na história do planeta natal do Superman, Kurt Schaffenberger ficou responsável pela arte de Smallville e Win Mortimer, pela de Metrópolis. Em todas as três séries o Byrne aprofundou as histórias e temas relacionados à origem e aos primeiros anos da vida de Superman.
Em O Mundo de Krypton, especificamente, Byrne narrou a história dos ancestrais kryptonianos do Superman, ele transformou Krypton num lugar cheio de imperfeições, tão dominado pela ciência e pelo isolacionismo que seus habitantes haviam até esquecido o que era se apaixonar. O envio de Superman à Terra também passou a ser um evento menos desesperado e mais planejado. É mostrado que Jor-El havia pesquisado o planeta, e escolhido os Estados Unidos como o lugar ideal para enviar seu pequeno Kal-El. Essa primeira minissérie foi publicada entre agosto e novembro de 1987.
Já O Mundo de Smallville trazia informações históricas até então desconhecidas sobre os passados de Jonathan e Martha Kent, os pais adotivos do Superman, bem como maiores informações sobre a conexão entre Lana Lang e os alienígenas conhecidos como Os Caçadores Cósmicos. A minissérie teve sua publicação entre os meses de abril e julho de 1988.
A última das três minisséries, O Mundo de Metrópolis ao contrário de suas predecessoras, não narrou uma única história. Cada uma de suas edições era dedicada a um personagem diferente, em tramas que, embora conectadas, eram independentes. A série forneceu antecedentes históricos até então desconhecidos de membros do Planeta Diário, como Perry White, Lois Lane e Jimmy Olsen e até mesmo do magnata corrupto Lex Luthor. A minissérie teve sua publicação entre os meses de de agosto a novembro de 1988.
Apesar de ter tido sua arte na capa da TIME, seu trabalho na reformulação do Superman não foi retratado de forma exatamente positiva. Na realidade o artigo definia seu trabalho como uma “alteração radical” do personagem, a reformulação ainda foi apontada como exemplo de um “paradoxo” que atingia o Super-Herói:
“Embora o Superman seja um herói nostálgico, as constantes mudanças no personagem acabam destruindo as qualidades que o transformaram originalmente num objeto de nostalgia”.
A matéria, publicada por uma revista que pertencia ao mesmo grupo que controlava a DC, serviu como um estopim acesso em um barril de pólvora, que explodio quando Byrne, já insatisfeito com a suposta “falta de apoio” da editora às modificações que ele havia imposto ao personagem, decidiu abandonar as revistas.
Ainda em sua entrevista para o livro “Modern Masters: Jerry Ordway”, publicado em 2007, Ordway narra que num determinado dia John Byrne simplesmente chegou na Editora DC, entregou o roteiro para a edição #22, já prevista para ser a conclusão da “Saga da Supergirl”, avisando:
“Estou fora. Esta é a minha última edição”.
Originalmente, essa saga deveria ser publicada nas edições “Superman #21 e #22” e “Adventures of Superman #443”, no entanto além de não ter um roteiro para a próxima edição de “Adventures of Superman”, agora com a saída de Byrne, também não havia, imediatamente, algum roteirista que a escrevesse.
Mais de um ano de histórias posteriores — em particular quanto ao que fazer para desenvolver a nova Supergirl — já haviam sido discutidas, mas não roteirizadas, então
Com essa atitude do John Byrne, o então editor dos títulos do Superman, o Mike Carlin, se viu com a responsabilidade de seguir adiante com um projeto ainda em andamento, de acordo com o Ordway essa situação seria o equivalente a “uma obra que havia perdido o arquiteto antes de ser completamente construída”.
Para preencher essa espaço, foi chamado o roteirista Roger Stern, que já vinha sendo o responsável pelo roteiro das histórias do Superman que, nesse período, eram publicadas na “Action Comics Weekly”, foi contratado para roteirizar o título principal do Superman, já para o cargo de roteirista de “Adventures of Superman” quem assumiu foi o Ordway.
Um roteiro da autoria de Ordway, que havia sido produzido como um teste para uma edição especial que só seria publicada meses depois acabou sendo remanejado para a “Adventures of Superman #443”. No mês seguinte seria publicada “Superman #21”, com o início da “Saga da Supergirl”, bem como “Adventures of Superman #444”, também roteirizada por Byrne, porém desenhada pelo Jerry Ordway.
Finalmente, em 03 de maio de 1988, quando a conclusão da história chegou nas bancas, Roger Stern e Jerry Ordway já estavam adaptados ao novo cronograma sem a participação do John Byrne.
Em uma matéria publicada no site Comic Book Resources, pelo historiador Timothy Callahan, ele reconhecia o valor das histórias, que definiriam o personagem para toda uma geração, porém ao mesmo tempo relativizaria o seu impacto, afinal, muitas das modificações que ele havia feito na mitologia do personagem foram desconsideradas nos anos seguintes.
Mas, segundo ele, se por um lado a ansiedade criada pelo projeto havia tornado a leitura de “Superman #01” um pouco decepcionante, Byrne, com suas 22 edições no titulo havia conseguido sim mudar fundamentalmente o personagem.
Agora passados mais de 30 anos da estreia do John Byrne no titulo do Superman, sua reformulação e demais histórias ainda são um alvo de vários debates entre fãs antigos e novos do Homem de Aço.